Espera encostada na soleira da véspera da bonança olhando o alaranjado que lhe dará a calma de que precisa para escolher as cores com que vai bordar todo aquele sonho que tem que traz consigo. Redundará então na certeza de se sentir feliz!
Imagem de © Jonathan Blair / CORBIS
Não encobre o rosto
mesmo que aguarelado esteja
de pinceladas de lágrima.
Maquilha com elas
a vontade,
delineando com um risco leve,
com um quase fio de sedução,
o olhar,
guardião de ternas expressões.
Fecha os olhos
plena de comoção,
antecipando o prazer baluarte:
esvoaçar num céu imenso,
azul
tão azul!
Longe de mim, o mirante daquele sempre,
de onde nos víamos.
Longe de mim, os campos percorridos,
desenhados a quatro mãos,
frondosos de tanto momento.
Imagem de ©LGB retirada daqui
Vou deixando cair
Povoados de tristeza
Sobre um coração.
Vejo ainda arder as mágoas
Com os meus olhos
Cristais estilhaçados,
Antes caleidoscópios
Quando olhava
Multicolor de gestos.
A noite vinha, merina,
Prenhe de oferendas,
De leitos cálidos
Onde repousávamos instantes,
Quando nos pensávamos…
Imagens de © Ana Rita Pinto - 2008
Imagem de ©Jennifer Kennard - CORBIS
Ia abrindo, uma a uma, as gavetas. Estava só, agarrada à certeza que não partilhava com ninguém, de que ele voltaria. Ainda que aquela frase a arranhasse tanto, por dentro, perdia-se, esquecia-se de tudo o mais e ficava a olhar todos aqueles objectos.
Houvera-lhe dito, anos atrás, que a casa era tão grande, desde que ele fora.
Não tardou a resposta: “Que a amaria, que só o corpo partira, mas, que ele, ele continuava, permanecia.” Ela acreditava, ela sorvia cada uma das palavras, adornando o seu sonho.
Abriu a vitrina, a caixinha onde guardava as coisas belas, que não amareleciam nunca. Pegou na caneta que ele lhe havia dado.
Pertencera a um Avô, dele, que ela fizera dela, também, pela cumplicidade da história bonita.
Possível morrer por Amor? Ele dissera-lhe que sim, que depois da sua Amada partir o Avô definhou. Deixou de sonhar para pensar na companheira que tanta falta lhe fazia. Durou pouco tempo. Meses depois, foi fazer-lhe companhia.
Como ela gostava de histórias bonitas! Conseguia vê-los juntos, sorrindo.
Outra gaveta, mil e um bilhetes, cada um deles embrulhado na luz tépida das palavras que não se cansavam de dizer: “- Eram felizes, tinham-se, nada ou ninguém os separaria jamais porque eram um do outro, porque o pacto que haviam feito não seria quebrado, nunca!
Sobre a cómoda, os aromas de tanto gesto partilhado, quando se descobriam, se perdiam pelas vielas do corpo, iluminados pela luz do luar dos olhares que nadavam no mar de todo o amor que faziam.
Ternamente, pôs uma gotinha em cada lóbulo da orelha. Fresco, doce, bom!
Estremeceu quando ouviu que a chave rodava na fechadura da porta … coração a bater com tanta força, tanta!...
Deixou que ele lhe pegasse ternamente na lágrima que teimara em querer ficar ali, no quarto, a partilhar a espera. Levou-a ao rosto dele, secou-a na face:
Que não, que não demorara. Só o tempo de ela tecer no leito que logo, logo, os acolheria, a certeza que lhe fizera companhia, enquanto ele não chegava:
Fechou a gaveta. Lá dentro, uma história com final feliz que ela abriria, um dia, enquanto o esperasse porque gostava tanto de histórias bonitas, tal como aquela ele lhe contara, lhe dera, quando fosse chegada a hora de ir fazer-lhe companhia…
Era possível, sim, morrer de amor, e, eles, um pelo outro, morreriam.
Permaneces.
eterno, enquanto dure, [ele dizia], o amor.
eterno, [ sei! ],
o que sinto...
ainda que não mais aconteça.
Fotografia de ©Ana Rita Pinto 2008
Fui fiandeira
E fiei,
Três fios...
Do meu cabelo!
Com três fios,
Três cabelos,
Tornei-me, então, tecedeira!
Sentei-me ao tear,
E teci!
E num ocupar do tempo,
Cresceu um belo entrançado,
Manta de tão bem te querer!
E continuei laborando,
Tecendo, na manta, um castelo!
Caiu a tarde,
A noite já vai tombando.
Já te espero,
Te adivinho,
Do tear me vou levantando...
Espero por ti, fiando,
Mais três fios...
De cabelo.
E fio com eles a estrada,
Por onde vens caminhando!
Já sou agora princesa!
E tenho a maior riqueza,
De te adivinhar chegando!
E vais entrar no castelo,
Tecido na manta,
Entrançado...
Com três fios do meu cabelo!