Fotografia de © Nuno de Sousa
Mas é do azul
É dessa cor primária,
Primeira,
Companheira de mais duas,
De que tanto gosto!
Não esqueço o amarelo
Inundando o horizonte
Decorando o Verão.
Tão pouco ignoro o vermelho,
Esbelto na forma,
Quando, ao desaguar nos lábios,
Lembra morangos…
Mas é para o azul que me volto,
Por não lhe encontrar monotonia.
Basta olhar as manhãs
Para pensar naquela cor.
Basta sentar-me à sombra doce das tardes
Para ter uma forma de céu.
Por isso
Teimo em escrever a esta cor,
Porque sei,
Tenho a certeza,
Que ela não esquecerá
As companheiras
E acabará eternizando na tela,
A paisagem que compõe com elas,
Ao tornar numa obra-prima
O esboço que fiz,
Enquanto olhava a fantasia
Dum prado que abraçou o sol,
Dum rio que a seu lado se deitou,
E daquelas árvores,
Quais lavradeiras,
Que depois da lida
Se sentam e conversam,
Tão bonitas,
Tão trigueiras.
Belos os olhos daquela vontade!
Quão mais belos se tornarão quando se encontrarem com uma outra…
Fotografia de © Adrian LaRoque
Com sabor a poema.
Sentar-se-á naquele banco,
Deliciando-se com a espera
De uma outra vontade…
E quando ela chegar,
Habitarão para sempre aquele ensejo,
Abrindo as janelas à foz da noite,
Enchendo o silêncio com a certeza:
De que as duas vontades,
Não eram senão duas margens
Que tanto se queriam,
E que se encontraram,
Na praia fluvial dum momento mágico.
Fotografia de © Antonio Amen
Ir, pelo prazer de sentir, fragmentos de recordações de mil viagens feitas sem tempo dilatadas apenas por imaginações dos que são hábeis em figurar o trilho dum rio que corre nunca para jusante.
Repousar à sombra de árvores frondosas que não existem senão nas searas alentejanas...
Que sentimento é este que os une acalenta e protege, numa serenidade dourada, sem fadigas?
Não sabem, mas, sentem-se de todo bem, entre o divino e o profano, sentados numa das margens do rio que continua a correr, teimoso, para montante, já que para jusante correm todos os outros rios e aquele teima em correr para a fonte, em busca do tal sentimento que vai depois pousar no colo dos dois seres que numa das margens, olham o rio que lhes vai trazer fragmentos duma visão deslumbrante dum amor que só eles sentem.
É esse o tal sentimento, a oferenda dum rio em tudo desigual de todos os outros rios, que leva no seu leito o futuro, não passado, todo ele pejado de pó de mil estrelas, de mil viagens por ele feitas.
E o par, vê, num repouso apaixonado, o rio que lhe vai dar algo que pensava não fazer falta: a simplicidade mágica de saber ficar, unido.
...e vão deleitar-se nas águas cálidas do único rio que corre para montante, transformando um simples olhar numa visão fascinante, que já não é futuro e do qual não vai haver memória, mas, e, tão só, sentimento, todo ele pejado de Pó de Estrelas.
Fevereiro 2002
Imagem de © Ana Rita Pinto
Percorrer a miragem,
Calcorreando quimeras
Sem sofrimentos,
Sem ânsias.
Só o bafejo,
O cheiro tranquilo
Do parar dos dias.
Ver-te!
Deixar correr uma lágrima,
Só uma.
Secá-la com as costas da mão
Para que me visses,
Me olhasses,
Como quando
Não dizendo nada,
Dizíamos tudo,
Adivinhando serenidades,
Acalmias,
Os tempos belos.
Pudesse eu
Aprender de novo a andar
Esculpindo na textura do teu rosto
Aquele sorriso
Tão impossível nos finais felizes.
Chorava só mais uma vez,
Por dentro.
Beberia da água que chorara,
Sopraria o fim para mais longe do longe,
E olhar-te-ia
Enquanto olhavas o que levara para ti.
Não era um presente,
Era um rastro,
Eram três palavras,
Ímpares.
Era o que eu te poderia dar,
Que transportara com cuidado.
Pudesse eu…
Encontrar-te
E beberia saudade,
Tasquinharia ternura
E dividiríamos
A vontade de nos sentarmos
À sombra da certeza,
De estarmos juntos outra vez!
Pudesse eu...
E levava-te aquele abraço
Que me pediste para guardar
Para uma boa ocasião
Pudesse eu...
E a ocasião era agora,
E abraçar-te-ia de novo,
Pai.